A Vida como Uma Jornada: Entre o Partir, o Chegar e o Eterno Procurar

A trajetória da vida é muitas vezes comparada a uma jornada com pontos de partida e chegada. Há aqueles que saem do ponto A, enfrentam os desafios e alcançam o ponto B, conquistando o que desejavam. Para outros, no entanto, o caminho é interrompido por barreiras que parecem intransponíveis: obstáculos estruturais, limitações pessoais ou as circunstâncias imprevisíveis que moldam a existência.

E há ainda os que transformam a vida em uma busca incessante. Para essas pessoas, a realização de um objetivo traz pouco alívio; o ato de perseguir é, em si, o combustível que as move. Mas o que essa busca insaciável exige de quem a realiza? E, mais ainda, o que ela impõe aos que as cercam?


Entre o Desejo e a Realização: Ecos da Literatura e da Música

A literatura brasileira reflete profundamente esse dilema humano. Clarice Lispector, em A Hora da Estrela, nos lembra que a busca por algo — seja reconhecimento, amor ou identidade — muitas vezes é marcada pela dor e pela incompreensão. Suas personagens, como Macabéa, vivem em uma espécie de suspensão entre o desejo de ser algo e a incapacidade de se realizar completamente.

Na música, Chico Buarque canta em Construção sobre a vida de quem busca incessantemente, mas nunca vê o fruto de seus esforços. O “homem que levantou uma casa, mas caiu ao dar o último passo” é o retrato da tragédia cotidiana daqueles que vivem para construir, mas jamais para contemplar.

Caetano Veloso, em Cajuína, reflete sobre o vazio que a vida pode apresentar, mesmo quando os objetivos são alcançados. A letra, carregada de lirismo, pergunta: “Existirmos: a que será que se destina?” Essa busca pelo sentido, pela próxima meta, pode parecer infinita, deixando rastros de insatisfação para si mesmo e para os que estão ao redor.


O Custo da Incessante Procura

A busca constante por algo maior, algo melhor, muitas vezes demanda sacrifícios não apenas do buscador, mas de todos os que o cercam. Na poesia de Ferreira Gullar, em Poema Sujo, encontramos a angústia de quem vê a vida passar em busca de algo que parece inalcançável. Ele escreve:

“O que será de ti? / de mim? / de nós? / nesse tempo que se despedaça?”

Esses versos refletem o impacto dessa incessante procura sobre o indivíduo e sobre os outros. Famílias, amigos, parceiros muitas vezes são arrastados pela força dessa busca, sofrendo silenciosamente ao serem colocados em segundo plano.

Essa dinâmica é capturada com maestria em Navio Negreiro, de Castro Alves, que, embora trate de outra temática, traz a imagem de um movimento constante, um navegar sem descanso, muitas vezes em direção a um destino trágico. Não é difícil ver nesse movimento uma metáfora para aqueles que vivem para buscar, mas nunca para encontrar.


A Beleza e a Tragédia do Caminho

A busca também tem sua beleza, é claro. Há algo poético em jamais desistir, em sempre querer mais. No entanto, como cantou Adélia Prado, “a vida não é de brincadeira”. O desejo por perfeição, por conquistas intermináveis, pode tornar a vida uma montanha que nunca se chega a escalar por completo.

Há beleza em buscar, mas também há um custo. E muitas vezes esse custo é invisível para quem está no centro da jornada. Como em Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, a caminhada é dura, árdua, e os companheiros de estrada — a família, os amigos, os amores — acabam carregando também o peso de metas que talvez nunca sejam alcançadas.


Um Reflexo da Condição Humana

Entre o partir, o chegar e o eterno procurar, a vida se desdobra. Nem todos alcançarão o ponto B, e talvez isso nem importe tanto quanto imaginamos. Mas o impacto dessa busca insaciável sobre quem nos cerca é inegável.

Como na canção de Chico Buarque, Gota d’Água, “deixe em paz meu coração / que ele é um pote até aqui de mágoa”. Às vezes, o coração daqueles que nos acompanham está tão cheio de mágoas acumuladas pelo caminho que a própria busca deixa de ser inspiradora e se torna uma fonte de sofrimento.

A vida é feita de desejos, metas e buscas. Mas ela também é feita de pausas, de olhares e de momentos em que simplesmente se aprecia o que já foi conquistado. Talvez não haja respostas definitivas para a jornada humana, mas compreender seus impactos e seus limites é, por si só, um ato de cuidado — com os outros e com nós mesmos.

Edvaldo Guimrães Filho Avatar

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